05/07/2008

Aprendendo com filósofos atuais...

Uma vez assisti um vídeo de uma palestra de Rubem Alves e achei simplesmente sensacional. A cada dia, dou mais valor às informações que têm a capacidade de me transformar. E essa foi uma delas. Após o término do vídeo, sentei e escrevi algumas coisas sobre nós, pessoas imersas no mundo corporativo.

"1ª Nota:
Para que tomar notas durante uma palestra? Eu já tomei muita nota de conferências e nunca voltei nelas. Tomar nota prejudica, não é? Será que tomar nota é um jargão corporativo? Será que se eu não tomar nota me chamarão de arrogante? - "Pô, esse cara acha q consegue decorar tudo? Quem ele pensa que é? - Temos que tomar nota para dizer que estamos levando a sério, mas isso é não levar a sério, por que a gente, quando está envolvido numa conversa afetuosa, é até indelicadeza tomar nota, não é? Nunca tomei nota em uma situação fora da minha vida corporativa. Mesmo vendo filmes muito bons, nunca tomei nota. E olha que levo comigo algumas cenas decor durante anos, até as falas eu sei. Nunca tomei nota quando fui ao médico. Na verdade, o assunto é tão importante que quem toma nota é ele quando prescreve uma receita. Mas, mesmo assim, todas as recomendações são orais. E guardo todas. Ai de mim se não. Mas, o mundo corporativo é complicado. Vou manter as minhas notas. Talvez alguém as consulte por mim..."

"2ª Nota
Celulares...Rubens Alves deu um sentido psicanalítico dos telefones celulares: nos tempos dele de menino, a diversão era ir à matinê assistir bang-bang. E a coisa que a meninada mais desejava era ter um revolvão e sair para a rua. Era a fantasia infantil. Mas,agora, graças aos telefones celulares, os homens saem com seus coldres e os seus revólveres. Então eles chegam no restaurante e – pum! – põem o revólver na mesa, por que pode ser que, a qualquer momento, sejam chamados. É aquela idéia de alguma coisa urgente, eu sou super-herói, tenho de agir imediatamente, tenho de estar em contato com o mundo, eu sou muito importante – de modo que eu não posso estar nem um segundo longe do contato com o mundo. Qualquer pessoa que possuam o mínimo de espírito filosófico sabe que nós não temos a menor importância. O mundo vai continuar do mesmo jeito. Então, é melhor estar mais presente, porque uma pessoa com celular ligado nunca está presente, ela está sempre à espera de uma chamada. Isso é ruim, não é?"

"3ª Nota:
A vida de um líder pode passar por 3 fases. A primeira é quando se ensina o que sabe. E é verdade, ele ensina as ferramentas básicas para um estagiário, algumas experiências para os subordinados, os procedimentos. as técnicas, a escrever adequadamente, o líder ensina as coisas que sabe. Esse “ensinar as coisas que sabe” é um ato de transmitir as receitas de como viver que a gente aprendeu. Mas, aí, o líder vive um pouco mais e começa a ensinar as coisas que não sabe. Mas como é que se pode ensinar aquilo que não se sabe? Imagine que um subordinado perguta: chefe, como posso chegar nos produtos do projeto xyz? Então o líder diz: não sei como se faz isso, mas pode existir pessoas na empresa que sejam especialistas no assunto ou têm alguma experiência. Se não tiver, pode haver no mercado. Quem sabe um curso ou um treinamento também não possa ajudar? Tenho certeza que se você se informar um pouco mais nessa direção, você vai chegar neles. O líder não sabe como chegar nos resultados, mas, apesar de não saber, sabe onde está a informação. Passar para essa fase é um grande diferencial. Não é aquele líder que sabe apenas o que já foi dito, o que está às suas mãos, isso é banal. Tudo isso já está em livros, esses líderes vão desaparecer: eles serão substituídos por pen-drives, programas e livros. Mas ensinar a encontrar é a coisa mais importante: isso tem o nome de “fazer pesquisa”... Quando se ensina a fazer pesquisa, ensina a coisa que a gente mesmo não sabe. O líder orientador da pesquisa é aquele que não sabe nada, quem sabe é o orientado, o aluno vai lá, visita a coisa, vem e conta para o líder que aprende. Na situação de pesquisa, o orientador se torna aluno do aluno que faz a pesquisa. E então vem a 3ª fase, quando o líder se dá o luxo de se entregar à maior de todas as forças, ao poder do esquecimento. Esquecer, desaprender tudo o que aprendeu. A gente nasce criança. Aí os adultos começam a falar e, à medida que vamos falando – e é inevitável que a gente fale – a criança vai sendo pintada com demãos de educação. Fala a mãe o que é certo, fala o pai o que é certo, fala o padre o que é certo, fala o pastor o que é certo, fala todo mundo, fala a televisão – e vai pintando, e vai pintando, e vai pintando, até que chega um momento em que a gente não sabe mais quem a gente é. Vejam então que é necessário que a gente esqueça, que a gente raspe o que aprendeu, é necessário que a gente se esqueça do que aprendeu, para a gente se lembrar de uma coisa de que a gente se esqueceu."

"4ª Nota:
É importante falar por imagens, as imagens são deliciosas, e quando a gente usa uma imagem boa, a imagem é absolutamente inesquecível. As imagens têm o poder de transformar as pessoas. Nós estamos falando em transformação social, a transformação social não se consegue através da ciência. Um exemplo: Um comercial lindíssimo – florestas de pinheiros - sem uma palavra - já dá para sentir o cheiro do pinheiro. Riachos cristalinos. .. dá para sentor o frio da água. Você entra na cena. Campos floridos, aí a gente já sente o cheiro das flores. Cavalos selvagens... Ah!, os cavalos selvagens são lindos, eu já estou apaixonado, não se ouve falar nem uma palavra, mas eu já estou apaixonado, já estou dentro da cena, tomando banho, sentindo pinheiro, andando de cavalo! Aí aparece o rosto de um vaqueiro pinta ... fumando um cigarro. “Venha para o mundo de Malboro”. “Venha para o mundo de Malboro”. Este é o mundo de Malboro: se você fumar Malboro, vai estar nesse mundo.
Corte.
Tela azul.
“O Ministério da Saúde adverte: fumar...”
É difícil imaginar que alguém tenha parado de fumar Malboro por causa da advertência do Ministério da Saúde, mas é muito fácil imaginar que dá uma vontade danada de fumar Malboro lembrando desse comercial. Que coisa interessante, não é? A advertência do Ministério da Saúde, na linguagem da psicanálise, se encontra ao nível daquilo que é chamado o consciente, aquelas idéias claras e distintas: fumar produz câncer. Mas o outro não diz nada, não diz nada, são imagens. Numa você tem a verdade, na outra você tem a beleza. E nós somos seduzidos pela beleza. Então, se a gente quer transformar as pessoas, é preciso que a gente aprenda a usar a beleza, porque as pessoas são transformadas, não pela verdade, mas são seduzidas pela beleza. "

Essa nota me lembrou muito o livro de James Clavell, Xogum. Bom, os samurais do Japão. De vez em quando eles cometiam o suicídio ritual, chamado sepuku ou harakiri. Era um suicídio cometido por razões rituais e consistia no seguinte: o guerreiro, recebendo a ordem de cometer sepuku, se vestia com as suas vestes rituais e, com um punhal afiado, abria o ventre devagarzinho. Ao lado dele estava o seu melhor amigo, com uma espada afiadíssima e no momento em que ele terminava de abrir o seu ventre, ele se inclinava para a frente e seu amigo o decapitava, cortava a sua cabeça. A tradição diz que os guerreiros samurai, quando tinham que cometer o sepuku, escreviam antes o seu último hai-kai. O que é um hai-kai? Hai-kai é um poema mínimo, mínimo. Rubens Alves citou um hai-kai, de Mat-Suo Bashô. Não tem rima, não tem nada: “Na velha casaque abandonei,as cerejeiras florescem”. Acabou. E vocês dirão: não entendi. Que bom! Não é para ser entendido. Hai-kais são para ser vistos, são fotografias. Você ouve um hai-kai, você vê e pensa: abandonei a casa, cresceu o mato, caiu a cerca, o jardim ficou selvagem, os vidros quebrados, as janelas podres, arruinadas. Abandono. Mas alguns dias atrás eu passei por lá e as cerejeiras florescem. É um hai-kai que fala sobre e fidelidade: as cerejeiras florescem. Essa nota me lembrou muito o livro de James Clavell, Xogum. Bom, os samurais do Japão. De vez em quando eles cometiam o suicídio ritual, chamado sepuku ou harakiri. Era um suicídio cometido por razões rituais e consistia no seguinte: o guerreiro, recebendo a ordem de cometer sepuku, se vestia com as suas vestes rituais e, com um punhal afiado, abria o ventre devagarzinho. Ao lado dele estava o seu melhor amigo, com uma espada afiadíssima e no momento em que ele terminava de abrir o seu ventre, ele se inclinava para a frente e seu amigo o decapitava, cortava a sua cabeça. A tradição diz que os guerreiros samurai, quando tinham que cometer o sepuku, escreviam antes o seu último hai-kai. O que é um hai-kai? Hai-kai é um poema mínimo, mínimo. Rubens Alves citou um hai-kai, de Mat-Suo Bashô. Não tem rima, não tem nada: “Na velha casaque abandonei,as cerejeiras florescem”. Acabou. E vocês dirão: não entendi. Que bom! Não é para ser entendido. Hai-kais são para ser vistos, são fotografias. Você ouve um hai-kai, você vê e pensa: abandonei a casa, cresceu o mato, caiu a cerca, o jardim ficou selvagem, os vidros quebrados, as janelas podres, arruinadas. Abandono. Mas alguns dias atrás eu passei por lá e as cerejeiras florescem. É um hai-kai que fala sobre e fidelidade: as cerejeiras florescem.

"Nota 5:
Nós vivemos não é para o trabalho... vivemos para o mundo lá fora, aquela farra da música, aquela felicidade, a turma, a mesa de bar, um bom filme, amor, o objetivo da vida é brinquedo. É preciso ter prazer, aliás, em todos os lugares. Na clínica do Rubens Alves, do lado de fora, tem um balanço. Balanço é uma felicidade para as crianças. E balanço, lá, é remédio contra a depressão. Porque é impossível que uma pessoa fique deprimida enquanto está balançando. Você pega uma pessoa deprimida, põe no balanço e põe para balançar, daí a pouco ela está rindo, acabou com a depressão, porque é impossível. Será que não seria interessante ter balanços nas áreas corporativas? Imagine gerentes, diretores, estagiários, se balançando... quer uma pesquisa de clima melhor que essa? No fundo, essa filosofia é a mesma que Jesus falou: “A não ser que vos transformeis em crianças, não herdareis o reino de Deus”. Isso faz parte da felicidade!

Rubem Alves, mestre em Teologia, Union Theological Seminary, NY, USA; doutor em Filosofia (Ph.D.), Princeton Theological Seminary, Princeton, NJ, USA; professor titular da Faculdade de Educação da Unicamp; diretor da Assessoria Especial da Unicamp para Assuntos de Ensino; psicanalista pela Associação Brasileira de Psicanálise de São Paulo. Autor de várias crônicas sobre educação, entre elas Entre a ciência e a sapiência: O dilema da educação.

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